segunda-feira, 1 de março de 2010

Crônicas Acervo 005






Olá caro leitor!
Para você visitar as primeiras postagens tem de clicar no elenco inicial de 2009 onde aparece a crônica 001 e as subsequentes. Há os acervos 02, 03 e 04. O acervo 05 está em março de 2010 a partir da crônica 056.
Calorosos abraços / I. Spínola


Iraci de Souza Spínola


Crônica 056
Memórias Incontáveis de Incontáveis Memórias


A tonalidade das águas muda conforme o trecho do riacho que busca nas brechas do relevo o melhor caminho a percorrer. Veja bem, dileto leitor, como é interessante a energia da água. Livra-se dos obstáculos, contorna-os e segue o seu itinerário briosamente.

Mamonas, quaranas e umbaúbas ornamentam a paisagem e prontas a amainar o calor dos andantes e a lhes propiciar descanso. Pequenos povoados foram formados às margens e neles a religiosidade floresceu como uma marca constante tanto da fé católica como dos crentes batistas e presbiterianos. Rota bem conhecida, sem sustos em todo esse trajeto.

Havia umas trilhas no trecho que passava pela moradia da família de Seu Camilo, chamadas trilhas de índio, que mereciam mais atenção e muito cuidado com a presença de cobra coral de veneno mortal. Ao passar por ali quem tivesse faca, espingarda, facão, tinha de ficar com ele em punho para se defender. Se ficássemos afastados do riacho, um pouco dentro da mata, cortava-se um tipo de cipó que ajudava a matar a sede.




Saindo da mata de galeria, deparávamos às vezes com um trecho mais largo de água e mais profundo semelhante a perau que cobria um adulto de pé. Rapidamente se improvisava uma pequena jangada feita com bambu e amarrada com cordas do próprio matagal. Remava-se com os braços e deslizava-se rio abaixo. Pequeno percurso, a jangada ficava ali amarrada a qualquer tronco para outros usuários.



Crônica 057
Memórias Incontáveis de Incontáveis Memórias


Era muito comum se praticar adjutórios na comunidade de Outeiro. Roçagem e preparo da terra visando o plantio de milho, de mandioca, aipim e feijão. Marcava-se a data propícia e se convocava os moradores dos povoados ao trabalho visando abreviar o que certamente levaria de 30 a 60 dias se realizava em um ou dois dias. Começava-se bem cedo, ao raiar do dia, com o fito de valer-se do sol frio e de o dia ficar mais longo. Levava-se muita água de beber, soro antiofídico, pães e frutas para merendar, e tudo isso protegido num abrigo improvisado com seis estacas e cobertura de folhagem de palmeiras nativas.


O adjutório, afeiçoado leitor, na maioria das vezes, ocorria na denominada agricultura de subsistência e se constituía em um esforço conjunto a fim de acelerar tarefas de interesse imediato de um dos trabalhadores na lavoura, como também se dava na raspa de mandioca, na construção de uma casa ou até na preparação de uma festa.

Cantigas conhecidas de todos eram entoadas suavemente, e noutro momento, dardejantes com um canto rijo e forte, enquanto se tocava a roçada, destocamento e o empilhamento de galhos e gravetos. Nas extremidades do terreno demarcado, em todos os lados do retângulo, fazia-se uma limpeza bem mais cuidadosa de uma largura aproximada de mais ou menos uns cinco metros a fim de se evitar que o fogo se propagasse mata adentro e causasse incêndio incontrolável. A técnica empregada era a coivara, bem rudimentar, um costume indígena.


A queimada era feita em diversos montes de gravetos empilhados, ali distribuídos, como também das ervas rasteiras da área a ser preparada que era o roçado desejado. Nunca presenciei nem tive notícia de fogo na reserva da floresta nativa. Todo cuidado era tomado.


O almoço era bem barulhento. A comida era trazida da sede da fazenda em panelas contendo arroz, feijoada, verdura variada, carne-de-sol e farinha. Não se servia bebida alcoólica, embora alguns espertalhões mais divertidos levassem suas garrafas de pinga para ir bebendo a pequenos goles e saborear durante a jornada do adjutório. Era um dia de festa.


Crônica 058
Memórias Incontáveis de Incontáveis Memórias



Foi devastação mesmo. O que foi feito da reserva de mata atlântica na fazenda Outeiro foi destruir, assolar. Danificar e arruinar. Tornar deserto e despovoar. Transformada em monocultura ou em pastos para o gado bovino em nome do progresso.


O nível de devastação é dimensionado pela derrubada de árvores do tipo pau d’arco, jacarandá-da-bahia, maçaranduba, jequitibá e cedro. Córregos e riachos secos. Charcos e brejos agora são terra seca e rachada. Não se pratica mais a pescaria de traíras que eram em cardumes nem de pitus pescados em cestos de cipó porque a água se foi. A flora foi dizimada.

Cedro

As borboletas sumiram e devem ter ido para alhures. Ou não? Foram extintas pela ausência de vegetação propícia? As borboletas constituem um importante grupo da família dos insetos. Além de ser um animal notável, pela beleza e elegância, as borboletas diurnas são muito importantes como bioindicadores. São fáceis de serem monitoradas nas suas diferentes e bem definidas fases vitais. As borboletas são por demais sensíveis às mudanças negativas em qualquer dos fatores ambientais dos quais dependam.


Alimentam-se de plantas específicas e uma abundância de borboletas de diferentes espécies em uma área ou região indica existir grande diversidade de plantas neste ecossistema. Uma brusca mudança ambiental afeta quase que de imediato esses animais e o desenvolvimento regular de toda uma população de borboletas, ao longo dos anos, indica que o meio ambiente está funcionando regularmente nesse período.


Orquídea selvagem

A agricultura intensiva, o uso de fertilizantes, pesticidas e inseticidas em geral, está contribuindo para o desaparecimento de muitas espécies de borboletas. Pior que tudo é a degradação do meio ambiente e o desmatamento indiscriminado, o avanço de urbanização de áreas onde antes havia parques e vegetação apropriada, com plantas integrantes da dieta das borboletas nas diferentes fases do seu ciclo de vida. Quando os portugueses desembarcaram em Porto Seguro em 1500 havia cerca de um milhão de quilômetros quadrados de mata atlântica ‘in terra brasilis’. Hoje há apenas seis por cento da floresta original.






Apesar da devastação, a mata atlântica da Bahia é um dos mais importantes centros de ocorrência de espécies em áreas restritas do país, com grande diversidade. Parte da riqueza biológica ainda é desconhecida da ciência.
No sul da Bahia a mata é tão relevante que passou a ser denominada de “sítio do patrimônio mundial natural”, pela UNESCO, a exemplo da reserva de Una, sendo que a maior parte dela nunca foi tocada pelo homem. De mata fechada com árvores de até trinta metros de altura.



Crônica 059
Memórias Incontáveis de Incontáveis Memórias



Conheci as primeiras letras do alfabeto na escola que havia na Fazenda Cajazeira contígua à Fazenda Outeiro. Dei prosseguimento ao curso primário na escola Felix Gaspar em Santo Antônio de Jesus, prédio que ficava localizado na Praça da Estação, hoje Praça Félix Gaspar, local de parada do trem, locomotiva que fazia o percurso Jequié a São Roque.

Prédio da Prefeitura, próximo da Praça Félix Gaspar

Ali estudei até quatorze anos de idade. Minha professora era amiga de toda a classe. Simpática, alegre, face morena com bochechas bem salientes, olhos graúdos, cabelos curtos bem cacheados, compleição de uma pessoa de estatura alta, gordinha e fartos seios, muito querida de todos os seus alunos. Seu aniversário era comemorado por seus alunos indo à moradia dela que ficava numa rua paralela ao prédio escolar, bem perto, podendo-se ir a pé sem grande esforço.

A comemoração se dava alegremente com a entrega de um presente singelo retribuído com refresco de carambola e de outras vezes refresco de jambo. Abraçava cada um dos presentes à sua comemoração natalícia. Era um abraço fofo e reconfortante da airosa professora Consuelo.
A diretora geral professora Maria de Lourdes, negra elegante e de forte personalidade, enérgica e disciplinadora, deixava todo corpo discente em constante vigilância a fim de não receber penalidades, por acometimentos inadequados e próprios de crianças sapecas, impostas àqueles infratores das regras praticadas naquela escola.



Seu próprio caminhar denotava uma firmeza ímpar, e sempre de sapatos de salto alto, seu pisar forte denunciava sua presença instigante reforçando seu poder e sua força moral. Residia na Rua Sete de Setembro e ao se dirigir à escola percorria pelo passeio público defronte da Loja Bahia, local de meu trabalho no turno vespertino, revelando a todos com suas passadas fortes que estava indo cuidar da disciplina e da direção da Escola Félix Gaspar. Muito respeitada por toda comunidade santantoniense.




Crônica 060
Memórias Incontáveis de Incontáveis Memórias


A hora do recreio era um momento de muita descontração. Professora Maria Helena, esposa do promotor público doutor Orlando Costa, oferecia constantemente aos alunos jogos diversificados e isso os deixavam contentes com a prática de esportes, e, desapontados quanto ao tempo curto das competições que se esgotava rapidamente.

Diariamente na sala de aula, antes das atividades normais de estudo e de exercícios, cantava-se o hino nacional e, por vezes, o hino à bandeira dentre outros cânticos patrióticos menos conhecidos. A batuta ficava habitualmente sob o comando da professora Maria Helena, a mesma que conduzia a prática do desporto na hora do recreio dos alunos.

A sala, bem ventilada, janelas envidraçadas em duas paredes, de frente e do lado esquerdo, oferecia uma boa luminosidade. Do lado direito, a porta de acesso da professora e de alunos. Aos fundos, oeste da sala, ficava a mesa da professora e quadro-negro. No canto à direita outra porta, fechada, mas que poderia dar acesso à sala de aula vizinha de outra turma de estudo.


Bem no cantinho da parede havia uma cesta coletora de papéis inservíveis e de farpas de lápis que os alunos se serviam para fazer novas pontas com lâminas de barbear ou com apontadores próprios para lápis.


Aquele momento de fazer a ponta de lápis era uma boa oportunidade de se fixar os olhos nas lindas garotas, colegas de escola da sala vizinha, pelos grandes vidros na porta da sala. Ali conheci Diná numa paquera de sinais pelos vidros da porta da sala de aula.


Ali, lá, acoli, acolá
Conheci Diná

Beleza ali vivente

Foi acoli e acolá

Que conheci Diná




Crônica 061
Memórias Incontáveis de Incontáveis Memórias



Um evento que agradava toda comunidade estudantil era o desfile das escolas públicas, denominadas Escolas Reunidas e mais as Escolas Isoladas bem como de algumas poucas escolas particulares, por ocasião dos ensaios para a parada comemorativa da Independência do Brasil em Sete de Setembro. Antecedia esse evento ensaios às quartas-feiras no turno matutino, três meses antes da comemoração, saindo da Praça da Estação, indo pelo jardim da Praça 15 de novembro, descia pela Rua Nova e dobrava-se à direita pela Rua Sete de Setembro, Praça Padre Mateus, Quatro Esquinas e logo mais adiante o retorno à Praça da Estação.

Praça Padre Mateus à noite

Além da presença das professoras cuidando dos pelotões de alunos nesses ensaios, contava-se com a colaboração de militares do Tiro de Guerra do Exército que orientava quanto aos passos de marcha militar além de ensinar as batidas dos tambores, estes os verdadeiros astros da festa imprimindo um forte ritmo com sons cadenciados dando brilho ao trajeto da parada cívica. Não me lembro de ter ouvido nenhuma reclamação de colegas participantes desses ensaios.


A sucessão da marcha, de beleza inconfundível, mexia o brio de todos, e a mim enchendo-me de incontida alegria patriótica.
No dia da parada cívica, engalanados, todos os alunos com fardas novas tendo os meninos calças e camisas cáqui e as meninas de blusas brancas e saias azul-marinho plissadas em gomos elegantes. Alguns alunos eram convidados a vestir roupas especiais da época da Independência a exemplo de soldados guardiães do cortejo imperial, personalidades políticas da época e a principal referência que era Dom Pedro I, montado a cavalo, e todos uniformizados a caráter em solene séquito patriótico com a pomposa comitiva do Imperador.


Num desses ensaios, uma ocorrência interessante, em um dia levemente nublado, uma chuva repentina, forte e passageira, ensopou a todos nós e, as lindas colegas também encharcadas, embora com semblantes de acanhamento, expuseram pela transparência de suas blusas brancas, pequenos seios aflorando em seus corpos adolescentes. Quase todos nós exprimindo sons de júbilo com assobios de fiu-fiu diante daquela onírica paisagem de alucinação visual.



Noutra ocasião também de um ensaio da parada cívica, exatamente no dia 24 de agosto de 1954, estávamos percorrendo nas imediações da Rua Nova quando ocorreu um silêncio repentino dos tambores interrompendo a marcha. Os professores que cuidavam de seus pelotões pediam pleno silêncio para dar a triste notícia da morte do Presidente da República Getúlio Vargas. Pausadamente dirigimo-nos até o prédio escolar. A informação era de que o Presidente houvera cometido suicídio. Perplexidade geral. A seguir fomos dispensados das aulas daquele dia. Tristeza e comoção geral.



É-nos oportuno assinalar que Getúlio Vargas foi ditador durante 15 anos e governou o país com o Congresso fechado, perseguiu implacavelmente a oposição e foi conivente com a tortura. Censurou jornais e em alguns casos foi muito além, simplesmente os destruiu fisicamente. Proibiu a publicação de livros, assassinou os inimigos do regime, impôs o exílio a intelectuais, militares e políticos que não concordavam com os rumos de seu governo. Acobertou crimes de familiares e foi simpatizante dos piores regimes totalitários como os da Alemanha de Hitler, e da Itália de Mussolini. Ademais, tolerou a corrupção que chegou até as antessalas do poder.




Crônica 062
Memórias Incontáveis de Incontáveis Memórias



Tinha eu quinze anos quando fui à antiga Vila Areia, município Ubaíra desde 1943, recôncavo sul da Bahia. Perto da cidade, distante mais ou menos três quilômetros, residia minha tia Tonha, seu esposo Anísio e sua filha única Nini, eram amigos da família do político e pecuarista Onésimo Cortes. Naquela semana em que eu estava passeando conheci a amiga da prima Nini, filha do prefeito Onésimo, a garota Miriam.



De cabelos curtos, pretos e bem lisos, de gestos delicados, estudante de música, tocava piano, repertório erudito e um gosto musical refinado.
Apesar de seus doze anos aparentava ter bem mais por sua compleição física bem definida de mocinha adolescente. Ficamos amigos, e como apreciava poesia, recitamos versos de alguns poetas. Retornei a Santo Antônio e perdemos contato pela determinada obstrução de minha prima Nini.


Aproximadamente três anos após, em evento festivo na Igreja Sião que fica no Campo Grande em Salvador, nos reencontramos. Falou-me que estava namorando e que pretendia se casar brevemente. No ano seguinte, seu irmão Airton me informou de que ela tinha morrido bem jovem, aos quinze anos incompletos, de parto e causa mortis ‘toxemia gravídica’, a eclampsia.


Filha de Josué e Rute Costa, Arlene, morena clara, de 14 anos tinha dois irmãos. Ebenézer, o mais velho, hoje reside em Aracaju, e Edelweiss, a caçula com 12 anos. Por vezes convidavam-me para almoçar juntos na residência deles. Naquele tempo eu trabalhava no Banco da Bahia Agência Chile.
Há alguns anos atrás eu me reencontrei com Edelweiss, hoje cirurgiã-dentista, em seu consultório na Rua Metódio Coelho, transversal da Avenida Jutahy Magalhães, perto da Comercial Ramos.


Nesse encontro contou-me que Arlene morrera de eclampsia aos 16 anos, e que dona Rute preparava sua irmã Arlene para ser minha namorada, inquirindo-me se eu sabia desse desejo de sua mãe, e, de pronto, assegurei-lhe nunca ter sabido disso.
Outro fato ocorrido com toxemia gravídica deu-se com Sílvia, nívea, branca como a neve, cabelos negros suavemente anelados, olhos pretos, uma adolescente de 13 anos,


menina-moça, com dois irmãos, a menor de 10 anos Shirley e seu irmão Sílvio, este um bom amigo com quem tive um relacionamento bem acentuado relativamente a princípios políticos, filosóficos e sociológicos no tocante aos costumes que na ocasião eram de uma mutação veloz tanto no falar, no vestir, e nas letras de músicas da ‘jovem guarda’

Erasmo e Roberto Carlos

que despontava no caminho do sucesso a exemplo de Roberto Carlos, que em pleno verão lançava o rock-balada “me aqueça neste inverno e que tudo mais vá pro inferno”. Mencionei esses três casos, atento leitor, como um registro verdadeiro, todos eles com morte por eclampsia no primeiro parto, e de pessoas queridas. Ocorrências lamentavelmente tristes.


Crônica 063

Memórias Incontáveis de Incontáveis Memórias



Referi-me em crônica antecedente relativamente à mudança de costumes. Cito lembranças da década de 60 e até os dias de hoje de que a velocidade tem sido de uma celeridade que chama a atenção tanto na linguagem falada, no vestuário, nas letras de músicas e nos relacionamentos entre pessoas.


Lembro-me de que quando eu tinha apenas 14 anos de idade os jovens passaram a usar camisas de tricoline de mangas curtas quando naquele tempo se usava tão-somente de mangas compridas. Lá pelos idos de 1955 ao usar minha primeira camisa de mangas curtas eu me sentia meio desnudo exibindo meus braços descobertos. Uma coisa estranha para mim.


Naquela ocasião mulheres que usavam calças compridas eram estigmatizadas como de ‘mulheres da vida’ e não freqüentavam a sociedade. Dizia-se de quem usava saia com joelhos à mostra que eram as vedetes de shows teatrais. Era comum, de forma jocosa, dizer-se aos que não estavam por dentro da notícia, que ‘estava mais por fora do que joelho de vedete’.



Os cabelos dos Beatles influenciaram a cantores da jovem guarda constituída por Erasmo e Roberto Carlos, Wanderléia, Martinha, Renato e seus Blue Caps, Jerry Adriani, Leno e Lílian, Wanderley Cardoso ‘o bom rapaz’, Ronnie Von dentre outros. De lá até os dias de hoje as mudanças foram se transcorrendo ainda mais céleres com o advento da vencedora minissaia e, ademais, com os cortes diferenciados e os multicoloridos cabelos femininos e masculinos em geral.
Assinalo ainda os novos termos usados na moda para definir os novos tipos de homem como o metrossexual que se comporta preocupando-se com a aparência e que assume tratamentos de beleza, usa roupas com corte moderno.


Os emo têm nos adolescentes e pós-adolescentes, extremamente sensíveis, ouvem música romântica, usam franjão que cobre parte do rosto. Usam roupas escuras ou pretas, correntes, calças pretas e maquiagem.
Faço referência ainda ao novo macho, não da linha ‘leiladiniz’, mais sensível e educado com as mulheres retomando antigos costumes como o de abrir a porta do carro para as damas.


Não faz questão de usar roupas modernas, de visual mais despojado, todavia bem pensado dentro de um figurino elegante.
Por fim distingo o übersexual que é o homem que está num patamar acima do metrossexual. Não tão sensível, é vaidoso na medida certa e se comporta como um conquistador de mulheres. Prefere roupas com corte bem moderno.



Crônica 064
Memórias Incontáveis de Incontáveis Memórias



Numa de minhas idas ao trecho cognominado baixão, lá pelos idos de meus oito anos de idade, na Fazenda Outeiro, as últimas chuvas haviam enchido o rio e a correnteza fazia um burburinho agradável debaixo de pequena e estreita ponte, de construção precária. O trecho estava cheio de saguins saltando, impulsionando o corpo de lugares mais altos para outros mais baixos, brincando e quando ficavam parados não deixavam de mexer com a cabeça para baixo e para cima e para os lados em completa vigilância a tudo que ali se passava.


Estavam todos eles provando lentamente com atenção e prazer pequenas frutas, de uma grande árvore de folhagem bem espessa, caídas sobre a estrada. Eles evitavam o rio e as poças d’água existentes na estrada, e quando surgia um movimento de transeuntes, desapareciam rapidamente da estrada. Uns subiam à árvore e outros desciam pequenos taludes de cada um dos lados da estrada, mas todos estavam de volta logo após a passagem das pessoas. Eram inquietos, tão inquietos como costuma ser a mente humana e capazes de diabruras indescritíveis.

O plantio de andu do lado direito da estrada exibia uma cor verde-cana reluzente sob os raios do astro-rei, mais se parecendo com um plantio de flores porque era a época da floração atraindo abelhas da redondeza. Era uma manhã alegre, viçosa e opulenta com pouco calor e entre os verdes campos, do lado esquerdo desse caminho, uma colina com extenso plantio de aipim e maniçoba mostrava com alarde a comunhão com a paisagem azulada.


Esse trecho da fazenda era o mais copioso em aves que ali gorjeavam umas bem comuns, outras mais raras como o sofrê, pássaro-azul, azulão, e as mais conhecidas juntavam-se ao bem-te-vi, joão-de-barro, joão-graveto,


sabiá, sabiá-laranjeira, pássaro-preto, papa-capim, assanhaço, cuiuba, cuiubinha, aracuã, quero-quero, lavadeira, periquito, jandaia, canário, rolinha, rola fogo-pagô, anum branco, anum-preto, gavião, andorinha, papalaica, pega, colibri, cardeal, guria, guriatã, perdiz, papagaio, pica-pau, sangue-de-boi dentre outras.

Currupião ou sofrê


O sangue-de-boi é uma ave reconhecida pela beleza de sua plumagem vermelha. A plumagem do macho é de um vermelho vivo, que lhe deu origem ao nome. Parte das asas e da cauda é preta e a plumagem da fêmea é menos vistosa, de cor parda. É frugívoro, tendo predileção pelos frutos da umbaúba, esta bastante comum em áreas em recuperação, bem como em locais próximos a cursos ou reservas de água.

O sabiá-laranjeira, também conhecido como sabiá-amarelo ou de peito roxo, tornou-se em 2002 a ave-símbolo do Brasil e já era ave-símbolo do Estado de São Paulo desde 22 de setembro de 1966, por sua imensa popularidade no país, citada por diversos poetas como o pássaro que canta na estação do amor, a primavera. Tem plumagem vermelho-ferrugem no ventre, levemente alaranjado, sendo o restante do corpo de cor parda, com bico amarelo-escuro.

É ave de canto muito apreciado que se assemelha ao som de uma flauta. Canta principalmente ao alvorecer e à tarde, e serve para demarcar território, e, no caso dos machos, para atrair a fêmea. A fêmea também canta, mas numa freqüência bem menor que o macho.

Na natureza, é encontrado em casais e grupos familiares quando em processo de criação. É ave de ambientes abertos, preferindo viver em bordas de matas, pomares, capoeiras, entorno de estradas, praças e quintais, sempre por perto de água abundante. É um pássaro territorial, demarca uma área geográfica quando está em processo de reprodução e não aceita a presença de outras aves da espécie.

Sua nutrição se compõe basicamente de insetos, larvas, minhocas, e frutas maduras, incluindo as cultivadas como o mamão, laranja e abacate. Convive bem com ambientes modificados pelo homem, seja no campo ou na cidade, desde que tenha oportunidades de encontrar abrigo e alimento. Pode inclusive fazer seu ninho, uma tigela profunda de argila e folhas secas, e em beirais de telhados.



Crônica 065

Memórias Incontáveis de Incontáveis Memórias


No céu circulavam gaviões elegantes que pousavam para se alisar e retornavam ao vôo descrevendo círculos aos sons de seu canto autodespertador como se estivesse dando avisos com seus trilos. Viam-se muitos bem-te-vis do papo amarelo, estes perseguidores de gaviões, talvez para defender seus filhotes ainda sob cuidados nos ninhos.

O bem-te-vi caracteriza-se principalmente pela coloração amarela viva no ventre e uma listra branca no alto da cabeça, além do canto que nomeia o animal. Considerado um dos pássaros mais populares do Brasil, é um dos primeiros a vocalizarem ao amanhecer. Possui uma variada alimentação. É insetívoro, podendo devorar centenas de insetos diariamente, mas também ele come frutas, como bananas, mamões, maçãs, laranjas, pitangas e muitas outras, ovos de outros passarinhos, flores de jardins, minhocas, cobras, pequenas cobras, lagartos, crustáceos, além de peixes e girinos de rios e lagos de pouca profundidade.

Atrapalha a apicultura por ser predador de abelhas. Apesar de ser mais comum vê-lo capturar insetos pousados em ramos, também é comum atacá-los durante o vôo. Ataca também ninhos de outras aves. O seu canto trissilábico característico enuncia as sílabas bem-te-vi, que dão o nome à espécie.


Constrói o ninho com capim e pequenas ramas de vegetais em galhos de árvores geralmente bem cerradas. Pode inclusive utilizar para construir o seu ninho, sobretudo em zonas urbanas, material de origem humana: papel, plástico e fios. Seu ninho tem uma forma de esfera com a entrada na parte superior e geralmente é construído no topo de árvores altas, na forquilha de um galho, mas é muito comum também vê-lo nas cavidades dos geradores de postes. Põe cerca de quatro ovos brancos e alongados.

Ave monogâmica, e quando é tempo de aninhar o território circundante ao ninho é defendido vigorosamente, podendo vir a ser agressiva com outros pássaros, outros animais e até mesmo o homem, ao se sentir ameaçada. Por esta razão que faz parte da família dos tiranídeos, de tirano. É comum ver os bem-te-vis dando rasantes em aves de rapina, principalmente gaviões que entram no seu território.

Após essa passagem, mais à frente, e quebrando à direita, alguns arbustos sustentavam anuns pretos e anuns brancos em pacífica e boa convivência com algumas reses de gado bovino.

Nesse pasto, no meio do capinzal, andavam formigas de mandioca, marrom escuro, avançando em suas trilhas elegantemente traçadas e bem definidas para a colheita de folhagem alimentícia, umas indo e outras retornando, muito apressadas em seu constante labor, como se não tivessem tempo a perder. Vida rica e abundante para todos aqueles serem grandes e pequeninos. Era hora de retornar e retornei imediatamente.

Acima, terra removida por formigas cortadeiras


Crônica 066

Memórias Incontáveis de Incontáveis Memórias



A terra, imponente com suas áreas e ricas searas, suas florestas, córregos e colinas, incontáveis pássaros, animais selvagens e entes humanos. A passagem pelo regato era pequena, de mais ou menos trezentos metros, porém bela. A grama atapetava de um lado a margem esquerda, e, de vegetação com raízes embaralhadas à margem direita onde se via aves quero-quero ciscando o terreno em procura de alimento. E pouco mais adiante já se pisava em terra firme, seguindo, o córrego, seu curso normal serpenteando mais à direita.


A leve brisa que agitava as folhagens de arbustos esmorecia porque anunciava chuva dentro de pouco tempo. Algumas nuvens ainda cruzavam lentamente o céu, brancas e sem direção, níveas de luz do sol nascente que estava por ser recoberto de nuvens.

Era comum se encontrar por entre as folhas secas cobras brancas de duas cabeças, cobras verdes não venenosas. A água era cristalina e nela flutuavam flores de plantas aquáticas... lilases.
Naquela hora nenhum movimento se observava... Tempo propício para os anjos fazerem seus planos.



Dois anjos planavam vagarosa e alegremente, um deles perguntou:
- Como vai estar o tempo amanhã?

- Ah, a previsão diz que será um dia bem nublado.
- Que bom! Assim, nós vamos ter bastante nuvem e muitos lugares para sentar!

Deixei os anjos e me mandei ladeira acima.




Crônica 067
Memórias Incontáveis de Incontáveis Memórias



Em minhas viagens de Salvador a Santo Antônio para visitar minha mãe e irmãos, por ocasião de férias e de outros eventos, servia-me da locomotiva da estrada de ferro, tendo de tomar o navio da travessia São Roque-Salvador. Foi neste navio que conheci o cordelista Cuíca de Santo Amaro. Um cronista do cotidiano, mistura de trovador e repórter, infernizou a vida de Salvador dos anos 40 aos 60.

Com a alcunha de Cuíca de Santo Amaro se celebrizou como um dos personagens mais importantes da história recente da cultura baiana. Seus versos virulentos assustavam poderosos e gente comum, e não havia segredo guardado a sete chaves que escapasse do seu faro para escândalos que os tornava público na cidade através de cordéis. Com muita ironia Cuíca de Santo Amaro transformava fatos sigilosos em cordéis decantados nas ruas, oferecendo à população noticias que os jornais não publicavam.


Para quem passava pelo Elevador Lacerda, Mercado Modelo, no navio da travessia São Roque a Salvador ou pela Estação da Leste, entre as décadas de 40 e 50, a cena era comum com roda de pessoas e olhares atentos soltando gargalhadas. Umas davam sorrisos e muxoxos sem graça, outras passavam ao lado, quase tapando os ouvidos. Eram casos que falavam sobre quase tudo que acontecia nas ruas, becos e até mesmo dentro das casas da província da Bahia de Todos os Santos e também nas cidades do interior do Estado.



Em Santo Antônio de Jesus, na Rua Sete de Setembro, perto da Rua da Linha, residia Dona Santa que ficou conhecida na cidade como uma pessoa que roubava galinhas nos quintais da vizinhança e isso motivou Cuíca a editar um livrinho de cordel relatando as ocorrências sob o título de “A santa que virou raposa”, tudo com muita ironia e língua afiada.


Amado por uns, odiado por outros, tinha uma predileção especial pelo que era mantido em sigilo, um faro aguçado para descobrir o que estava escondido. Ouvir seu nome era sinal de temor para muita gente, afinal ninguém sabia o que estava por vir quando Cuíca desfilava pelas principais ruas de Salvador vestido com seu fraque, flor na lapela e chapéu-coco, óculos escuros, declamando versos de poeta trovador. Trazia sempre debaixo do braço mais uma edição de suas revistas de cordel e gritava com voz rouquenha o último escândalo ocorrido para o delírio da platéia, geralmente tão pobre quanto ele, e desespero da família atingida.



O jornalista baiano Odorico Tavares escreveu um artigo na revista ‘O Cruzeiro’, em 26 de outubro de 1946 sobre Cuíca assinalando que “o seu forte era o comentário sobre fatos do dia, o cotidiano baiano que explorava com crueldade sem limites. Ai de quem caísse no seu desagrado, em dois tempos, contava a sua história em versos, imprimia, arranjava do Sinésio Alves, ilustrador de capas de folhetos no cordel baiano da época e colega de travessuras de Cuíca, o desenho adequado para as capas e largava brasa num inferno para as suas vitimas, um gozo para o público que o cercava e o ouvia às largas gargalhadas”.


Não é à toa que ainda hoje é considerado por alguns estudiosos uma espécie de Gregório de Matos sem gramática. Apesar de não ter estudado e não estar entre os melhores verificadores da literatura de cordel, Cuíca era a síntese do trovador-repórter popular e, talvez o mais famoso. Forneceu um relato picante e interessante do seu tempo, um retrato folclórico-popular da vida baiana, através de centenas de folhetos, impressos semanalmente durante 25 anos.